"Tenho músicas ardentes,
Ais do meu amor insano,
Que palpitam mais dormentes
Do que os sons do teu piano!"

Álvares de Azevedo

segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Eis aqui uma pequena crítica acerca do meu primeiro semestre de faculdade.
Redigida em 16/09/2011



   





"Caliban"

          "Silêncio! A todos os que brindam com vossa presença este sombrio cômodo de minha existência, iluminado com o lustre dourado do pensamento crítico. Ouvi atentos, quimeras disformes, atormentadas e obsessas pelo tédio: Eis o manifesto que exala da essência sublime do pensamento; o desvendar da órbita ofuscada com a privação da avaliação; o sentimentalismo do homem, aflorado em vocábulos de sanidade contestável. Ouvi atentos cada parágrafo, cada analogia advinda das profundezas obscuras da contestação eloquente! Ouvi, malditos."


          Sobre o estéril solo da capital livre de umidade ergue-se a fortaleza de concreto, sustentada sob os monótonos véus da inércia que habita sorrateira a época. O interior, residido por milhares de almas transeuntes, aparenta descolar-se, desfazer-se, enquanto as vozes do conhecimento transpassam o limite pálido da estrutura. Embalde! Deixemos à custa do estudante o esqueleto e partamos à própria ignorância do corpo discente:
           Inspirado com as páginas de correspondência do mais sublime poeta brasileiro, mancebo injuriado com as torpezas que rondavam as mentes caipiras da época, inicio a autópsia minuciosa deste organismo túrbido e despreparado, elevando à órbita da crítica alguns indivíduos de notável ambição ao aparecimento. Unidas, fisicamente, pelas dobras e cãs que exprimem de modo inclemente os árduos anos de vivência, há muito me surpreende e faz rir o simplório conjunto de senhoras residente neste primeiro período de faculdade. Conquanto vastas em acervos de ensaios existenciais, aparentam emitir singela fraqueza e inabilidade quando questionadas acerca dos assuntos didáticos. Soterrado há quase um século sob o solo gélido, Émile Durkheim revolveu-se em sua sepultura ao gozar, da obscuridade, a seguinte indagação: Durkheim não é uma mulher? Pobres coitadas!
          Voltemo-nos ,de imediato, ao escasso e tangente conjunto de rapazes residentes no primeiro semestre do curso de Direito, na qual genericamente estou incluído. Conhecendo-os à distância, tal qual o combatente com o seu inimigo — aflorado em um estudo minucioso das vocações — batizo desinteressado tal conjunto. Conquanto os lábios gélidos e vorazes da incapacidade insistirem em beijar aqueles à beira do precipício da ignorância, há ainda, habitando as fronteiras sombrias da escuridão, escasso conjunto de homens ainda interessados às volúpias do saber. Embalde! Ainda longínquos os louros da peleja.


                                                                     ~ ~ ~


         Oh! Estaria este jovem desvairado? Estaria ele envolto no lodo pútrido da arrogância? Ou, dentre a turba de estúpidos lampejos, seria ele o lustre dourado ornamentado em diamantes? Tolice! Do ventre da rameira surge intocada virgem; o sopro da estupidez costuma poupar uma das faces dos gêmeos. Conquanto, entre as ruelas ignóbeis do academicismo, povoadas por indivíduos arraigados nas gozações; nas volúpias corpóreas, há também um fulgor célebre e escasso, faísca sedenta ao celeste jarro da competência, do saber, inquilina da profundeza do crânio aprendiz. Eis, então, uma dualidade: Duas vertentes de pensamento e maturidade coexistindo sobre a mesma superfície. Quanto aos competentes não mais me estenderei... Vossa fulgência é demasiado mérito.


                                                                      ~ ~ ~

          Por fim, ainda explorando a simploriedade do extenso conjunto de discentes — discípulos ignorantes de uma eterna sabedoria — voltemo-nos, agora, ao bater das lúridas asas angélicas; voltemo-nos à inspiração eterna dos convivas aprisionados no primor dos beijos alcoólicos, embrulhados entre as rústicas paredes de um estabelecimento precário. Aos motivos, tão belos e poéticos, que obrigaram Werther a introduzir no próprio crânio a centelha metálica de um amor celerado. As mulheres, meus caríssimos! Mulheres... Não as maldigam! Seres tão plácidos e de natureza exímia!  ...


Não me recordo dos motivos que me obrigaram a cessar estes escritos. Bom, isso é tudo.



segunda-feira, 8 de outubro de 2012


Inconstância




          Os céus se evadem; o sol embuça a face dourada entre o leito argênteo. A manhã faz-se fria, embaçada... Doentia. Creio a natureza, espontânea, lamentar-se em sons, gemidos alheios. As aves clamam seus hinos perpétuos com o desalento entranhado na mais aguda das notas. A natureza expõe suas lágrimas quando o homem as reclusa.
          Estou deitado, confortável, sobre a raiz disforme de um majestoso carvalho. Nada me inquieta, nem mesmo o roçar atrevido de seus desfolhar em meus arfantes lábios ansiosos. Tudo me aflige... O vento aparenta murmurar uma daquelas tristes cantigas que faz ressurgir, no seio da quase indiferença, o manancial exaurido do plangor; que transmuta a tez jubilosa da distração em vincos e lágrimas enxutas. A terra é fria, inclemente... Volto-me para a direita, a rigidez das raízes fere meu frágil corpo delgado. Minhas costelas estalam, estilhaçam... A enfermidade é crescente, agressiva. Penetrante.  Ao ladear-me, um jovem belo, loiro, com as feições perfeitamente detalhadas sob a mais fina das extremidades, adormece sossegado. Seus olhos serenos, azuis como o anil das viçosas Hortências, expiram diante a sonolência trazida no dorso serpejante das fragrâncias primaveris. Seus lábios arquejam. Lábios finíssimos qual a corola de uma flor acanhada. Lábios amenos, que espiram o hálito puro da inocência... Um hálito perfumado em demasia; provocante. Quase não o posso resistir, a proximidade faz a atração incoercível. Vejo seus olhos sorumbáticos; em seus beiços um encanto inelutável...
          — Satã?
          O moço abre apenas uma das órbitas. Sua íris pelágica me engole por inteiro.
          — O que foi, Maneco?
          Acho que estou amando, meu Satã. — uma doce lágrima orvalha minhas maçãs ruborizadas.
          — Me amas, Maneco?
          — Por que o susto? É natural, não? Um homem amar aquele que o acompanha.
          — É, creio eu. — sua face tornara-se corada. Seu olhar perdera-se na mais alta das copas das árvores.
          — Bobo! Não é você, obviamente. Mas diga-me, meu Satã: É amor, não é? Quando a bela figura parece irromper incessantemente em seus pensamentos. Quando se está só, no silêncio, e o único espectro que o acompanha é de suas próprias lágrimas.
          — Eu não sei, confesso. Você me parece maior entendedor, Maneco.
          Por um instante deixei tombar a cabeça e encostá-la ao peito de meu companheiro. Seu coração fremia com celeridade; meus olhos completaram-se em lágrimas. Lágrimas cristalinas... Lágrimas saudosas.
          — Satã... Vês aquele sabiá trovando versinhos na extremidade do carvalho?
          — Hum... Por conhecer-te bem digo que irás comparar tua nova musa às belezas daquele sabiá, estou certo?
          Por um instante meus lábios emudeceram. Um leve tremor se abateu sobre meu peito. A efemeridade parecera tornar-se infindável. Como era fascinante o canto daquela ave melódica... Como era voraz!
          — Maneco?... Maneco!
          — Hum? Desculpe-me... Nossa, que delírio! O que dizia, meu caro?
          — O sabiá, Maneco. Olhe!
          Evito olhar a pequena criatura. Posso apenas ouvir o ruído de suas finas penugens se eriçando enquanto cantarola às gotículas de orvalho. Suas notas parecem invadir-me por inteiro... Meus amores parecem ruir sobre tão magnífica expressão de um sentimento. Desejo fazer daqueles hinos de glória as minhas nênias; minhas elegias. Desejo fazer daqueles vocábulos minhas lágrimas eternas...

Bom, é apenas um trechinho de um longo texto que estou escrevendo. Em breve postarei mais alguma coisinha...
Beijos!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012



Brasília aos olhos (sentidos) de Clarice Lispector.


"Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite."



(…) Todo um lado de frieza humana que eu tenho, encontro em mim aqui em Brasília, e floresce gélido, potente, força gelada da Natureza. Aqui é o lugar onde os meus crimes (não os piores, mas os que não entenderei em mim), onde os meus crimes não seriam de amor. Vou embora para os meus outros crimes, os que Deus e eu compreendemos. Mas sei que voltarei. Sou atraída aqui pelo que me assusta em mim. Nunca vi nada igual no mundo.


Brasília ainda não tem o homem de Brasília. – Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas a minha insônia não é bonita nem feia – minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério.


Brasília é mal-assombrada. É o perfil imóvel de uma coisa. De minha insônia olho pela janela do hotel às três horas da madrugada. Brasília é paisagem da insônia. Nunca adormece. Aqui o ser orgânico não se deteriora. Petrifica-se. Eu queria ver espalhadas por Brasília 500 mil águias do mais negro ônix.