"Tenho músicas ardentes,
Ais do meu amor insano,
Que palpitam mais dormentes
Do que os sons do teu piano!"

Álvares de Azevedo

segunda-feira, 8 de outubro de 2012


Inconstância




          Os céus se evadem; o sol embuça a face dourada entre o leito argênteo. A manhã faz-se fria, embaçada... Doentia. Creio a natureza, espontânea, lamentar-se em sons, gemidos alheios. As aves clamam seus hinos perpétuos com o desalento entranhado na mais aguda das notas. A natureza expõe suas lágrimas quando o homem as reclusa.
          Estou deitado, confortável, sobre a raiz disforme de um majestoso carvalho. Nada me inquieta, nem mesmo o roçar atrevido de seus desfolhar em meus arfantes lábios ansiosos. Tudo me aflige... O vento aparenta murmurar uma daquelas tristes cantigas que faz ressurgir, no seio da quase indiferença, o manancial exaurido do plangor; que transmuta a tez jubilosa da distração em vincos e lágrimas enxutas. A terra é fria, inclemente... Volto-me para a direita, a rigidez das raízes fere meu frágil corpo delgado. Minhas costelas estalam, estilhaçam... A enfermidade é crescente, agressiva. Penetrante.  Ao ladear-me, um jovem belo, loiro, com as feições perfeitamente detalhadas sob a mais fina das extremidades, adormece sossegado. Seus olhos serenos, azuis como o anil das viçosas Hortências, expiram diante a sonolência trazida no dorso serpejante das fragrâncias primaveris. Seus lábios arquejam. Lábios finíssimos qual a corola de uma flor acanhada. Lábios amenos, que espiram o hálito puro da inocência... Um hálito perfumado em demasia; provocante. Quase não o posso resistir, a proximidade faz a atração incoercível. Vejo seus olhos sorumbáticos; em seus beiços um encanto inelutável...
          — Satã?
          O moço abre apenas uma das órbitas. Sua íris pelágica me engole por inteiro.
          — O que foi, Maneco?
          Acho que estou amando, meu Satã. — uma doce lágrima orvalha minhas maçãs ruborizadas.
          — Me amas, Maneco?
          — Por que o susto? É natural, não? Um homem amar aquele que o acompanha.
          — É, creio eu. — sua face tornara-se corada. Seu olhar perdera-se na mais alta das copas das árvores.
          — Bobo! Não é você, obviamente. Mas diga-me, meu Satã: É amor, não é? Quando a bela figura parece irromper incessantemente em seus pensamentos. Quando se está só, no silêncio, e o único espectro que o acompanha é de suas próprias lágrimas.
          — Eu não sei, confesso. Você me parece maior entendedor, Maneco.
          Por um instante deixei tombar a cabeça e encostá-la ao peito de meu companheiro. Seu coração fremia com celeridade; meus olhos completaram-se em lágrimas. Lágrimas cristalinas... Lágrimas saudosas.
          — Satã... Vês aquele sabiá trovando versinhos na extremidade do carvalho?
          — Hum... Por conhecer-te bem digo que irás comparar tua nova musa às belezas daquele sabiá, estou certo?
          Por um instante meus lábios emudeceram. Um leve tremor se abateu sobre meu peito. A efemeridade parecera tornar-se infindável. Como era fascinante o canto daquela ave melódica... Como era voraz!
          — Maneco?... Maneco!
          — Hum? Desculpe-me... Nossa, que delírio! O que dizia, meu caro?
          — O sabiá, Maneco. Olhe!
          Evito olhar a pequena criatura. Posso apenas ouvir o ruído de suas finas penugens se eriçando enquanto cantarola às gotículas de orvalho. Suas notas parecem invadir-me por inteiro... Meus amores parecem ruir sobre tão magnífica expressão de um sentimento. Desejo fazer daqueles hinos de glória as minhas nênias; minhas elegias. Desejo fazer daqueles vocábulos minhas lágrimas eternas...

Bom, é apenas um trechinho de um longo texto que estou escrevendo. Em breve postarei mais alguma coisinha...
Beijos!

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