"Tenho músicas ardentes,
Ais do meu amor insano,
Que palpitam mais dormentes
Do que os sons do teu piano!"

Álvares de Azevedo

quinta-feira, 6 de setembro de 2012


O que é este blog? Nada mais que a pura e simples expressão do ócio.

Bom, aqui vai a primeira postagem.
É um pequeno conto que eu redigi na belíssima paisagem dos campos sepulcrais.




O amante incógnito


          Era uma sexta feira do ano de 1982. Os céus pranteavam finas lágrimas de complacência. Chovia, uma garoa serena qual aquelas que aprazem o homem que lê a beirada de uma sacada. Não dessemelhante às nuvens, choravam os homens... Choravam em prol da ignorância que lhes açoitava o cérebro; choravam o padecimento de um semelhante.

          O canto fúnebre seguia as ruelas daquele cemitério povoado, enquanto o silêncio daqueles que repousavam bradava com igual veemência. Todas aquelas figuras trajadas de luto, de morte, em contraste com o tenro semblante daquela que dormia. Morrera uma moça, uma menina linda. Adormecera em sonhos na aurora da vida. Uma moça morena de longos cabelos e tez bem corada; os lábios finos, delicados e discretos, qual a flor que não desabrocha e guarda em segredo o seu viço. Pranteavam, todos, a extinção de um anjo. Insensatos!
          Pairavam na brisa as últimas nênias; a moça sorria, não em razão do sofrimento alheio, mas sim, em decorrência de seu desprendimento. Estava ela, agora, liberta a galgar a amplitude dos prados floridos que outrora sonhara; a tanger novamente o seio da natureza. 
          Enfim, o corpo começou a ser içado às profundezas da sepultura. Os homens fremiam, enquanto as moças buscavam embuçar suas lágrimas com os véus que traziam consigo. 
          — Esperem! — um brado grave manou da multidão. Todos buscaram com os olhos, em consonância, um homem que completava a última fileira. Estava vistosamente trajado com elegante paletó negro e seus adornos costumeiros, porém, algo o distinguia dos demais. O homem,de média estatura, ostentava sobre a face uma belíssima máscara veneziana que lhe encobria apenas os egrégios e negros olhos enigmáticos. Era uma daquelas visões romancistas que a princípio causam espanto, porém, posteriormente fomentam ao estranhamento. O homem aproximou-se da campa em passadas suaves e flutuantes, parecia deslizar harmoniosamente por entre os salões daqueles galantes bailes de antigamente. Todos o admiravam com assombro. Então, enquanto sussurrava palavras incompreensíveis, ele ajoelhou-se diante o cadáver da Diana, tomou sua mão e roubou seus lábios em um beijo quase etéreo, digno da apreciação de todas as criaturas celestes. Fez-se daí, então, um alvoroço tremendo. Todos na multidão queriam palpá-lo, repeli-lo dos braços da moça desonrada ao delicioso sabor de um beijo, porém, a audácia era atributo de poucos.
          — Deixe-a, insolente! — um rapaz tentou golpeá-lo, contudo o desconhecido parecia possuir a força de dez homens. Serenamente o homem ergueu-se e voltou-se à multidão e com a voz retumbante proferiu:
          — Eu a amava. Quarenta mil irmãos não poderiam, somando seu amor, equipará-lo ao meu.
          — E quem é você, bastardo? 
          — Sabei: — todos se calaram — Na almofada do mal é Satã Trismegisto quem docemente vosso espírito consola...
          O silêncio da covardia perseverava entre o conjunto de lábios estáticos. Apenas um dentre o conjunto era possuidor da capacidade de proferir palavras: o desconhecido.







           Sou o sonho de tua esperança,

           Tua febre que nunca descansa,

           O delírio que te há de matar...




Contém citações de Shakespeare, Baudelaire e o grandioso Maneco.
Obrigado, pessoas! E não esqueçam de deixar seus comentários! :**






Um comentário:

  1. Murilo,
    Achei que você já tem muita cancha pra sua pouca idade. Parece já ter um estilo formado, com um jeito romãntico de se expressar, atraente e fluido. Parabéns, continue, vá fundo!
    Um abraço,
    Sandra Daher ( do grupo de leitura do Sebinho)

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